No ônibus, a mulher dormia, linda, ilhada, alheia às cercanias. Tinha um sono tão pesado que obrigava o veículo a se arrastar morosamente pelas ruas esburacadas. A cada solavanco, o sono dela ficava mais denso, embaçando os vidros das janelas, misturando-se às nossas respirações difíceis, atrapalhando nossos movimentos, como um anestésico. Aos poucos, a letargia era tanta que perdíamos a noção das coisas e o próprio motorista abandonou à sorte a direção do ônibus, atropelando, sem qualquer ressentimento, os pedestres distraídos e os cães vadios, subindo pelas calçadas, invadindo as lojas.
Na cadeira ao lado, eu tentava resistir ao torpor que insistia em que meu corpo não se movesse. Ela estava muito próxima de mim para eu não notar, com admiração crescente, a textura serena que lhe fugia da pele, em contraste com o sono pegajoso que emitia. Seu vestido, ventreaberto, permitia à evidência um seio límpido, belo, suave, deixando por instantes a prisão da lingerie ao ritmo compassado da respiração, isento de vícios.
Senti-me tentado a tocá-la. Com esforço, levei minha mão até sua perna e a deixei pousada ali, sem tentar qualquer outro gesto, por medo ou por cansaço, não sei. Ela escorregou a cabeça até o meu ombro e uma nuvem soporífera mais forte escapou de seus pulmões e me envolveu, mas, nesse instante, quando eu já sucumbia ao sono, o ônibus sacolejou ao derrubar um hidrante e isso foi suficiente para que eu me recompusesse, assustado.
Os demais passageiros já estavam totalmente dominados, fixos nas posições que puderam preservar para si, já que o sono ocupava todos os outros espaços enquanto aumentava de intensidade, adquirindo autonomia, de forma que, em pouco tempo, o ônibus havia parado, incapaz de transportar sem ajuda sua carga.
Minha mão, séculos depois, por vontade própria ou puro reflexo, abandonou a inércia e atreveu-se a outro movimento, aconchegando-se entre as pernas da mulher. A maciez que encontrou e a diferença de temperatura fizeram-me reagir e empurrar a cabeça dela para longe do meu ombro, juntamente com a nuvem soporífera que me sufocava. Percebendo que já não estava tão imerso quanto os outros em seu sono — e eu era o único —, pude ampliar minha ação e alcançar seu seio desprotegido. Toquei-o levemente, temendo que se desfizesse em miragem, mas ele resistiu ao meu contato e ofereceu-se mais. Deixei-me, então, seguir o caminho do corpo dela, admirando cada milímetro de pele que descobria, abrindo novas possibilidades, trilhando cada detalhe, indiferente a Morfeu, dono de todos que não eu.
Lânguida, ainda entorpecida, ela ajeita com sensualidade os cabelos dourados, espalhando um pouco da luminosidade escondida sob eles pelo ambiente pastoso, e fecha o vestido, prendendo em si minha mão pousada sobre o seio. Talvez por não ser um objeto qualquer, mas a mão que acaricia e que solda pele e pele, o que tem junto ao peito, ela concede em abrir ligeiramente os olhos, gesto bastante para esclarecer os objetos existentes e os latentes com sua luz acobreada.
O ônibus havia parado bem no centro da cidade. Por sobre a nossa dormência, distingui o barulho do trânsito e das pessoas irritadas querendo chegar mais cedo a casa. Era um fim de tarde multígrado. O sol agonizante fortalecia as perspectivas modernas dos edifícios e projetava sombras elípticas sobre o asfalto. Um motor engasgou e morreu. Um homem teve um infarto, outro deixou cair o livro de Fernando Pessoa que lia e adormeceu, encostado a uma banca de jornais. Devagar, a cidade foi parando, até que todos dormiam a sono solto onde e como podiam. Não consegui evitar um bocejo. Ao meu lado, a mulher linda, atenta às cercanias, aproveitou-se desse descuido e me possuiu de vez, com um beijo melífluo.
Os semáforos tentam inutilmente controlar o caos. Há nuvens, ninguém telefona, ninguém observa o luar incipiente, ninguém acredita que