segunda-feira, 28 de julho de 2008

Para a Brenda, que odeia a norma culta

A Brenda Braga disse umas coisas interessantes aí nos comentários de "Cão". Este post é pra ela. Mas é tb pra pra quem mais quiser meter o bedelho no assunto.


Brenda, vc pode não gostar de escrever de acordo com a norma culta (muita gente não gosta), mas ela é necessária para dar coesão à língua. Já pensou que babel se cada um pudesse escrever de acordo apenas com sua vontade? Agora, vc pode, sim, burlar as normas vigentes, quando escrever textos literários. O escritor não é o cara que segue as regras, mas o que cria novas regras. Isso não dá direito ao vale-tudo. É preciso conhecer as normas cultas para inventar outras, artísticas, pessoais, a partir delas.

Outra coisa: é a norma culta que é exigida em concursos e vestibulares. Vc pode (e deve) ter a sua língua artística própria, mas deve conhecer a culta para não passar por ignorante. Existem dois tipos de "desvios" na escrita: o desvio "eufórico" e o "disfórico". O eufórico é fruto do trabalho do escritor, que, por vontade própria, resolve dar uns bicos nas canelas das normas cultas e cria novos efeitos sobre o já estabelecido. Exemplo (do "Caso pluvioso", do Drummond):

A chuva me irritava, até que um dia,
descobri que Maria é que chovia.

[...]

Chuvadeira maria, chuvadonha,
chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha [...]

Viu? Chover é verbo impessoal, defectivo, só conjugável na terceira pessoa (do singular ou do plural), de qualquer tempo ou modo, a não ser quando em sentido figurado. Nesse caso, geralmente o sujeito vem posposto ao verbo, se não me falha a memória das aulas com José Augusto Carvalho. Mas o Drummond, que sabia disso, inventa que Maria é que chovia e, portanto, Maria chove e o efeito disso é das páginas mais belas da poesia brasileira. Os adjetivos que ele pespega em maria (chuvadeira, chuvadonha etc.) não existem no dicionário (ou não existiam, à época), mas todos são compostos de acordo com as regras de formação de neologismos do português (aquela história de prefixo grego isso, sufixo latino aquilo...). O resto do poema deixo pra sua curiosidade descobrir. Vc vai amar.

Quanto ao tal desvio disfórico, trata-se de fruto da ignorância de quem escreve. É o tal "erro" mesmo. Ele não é proposital, apenas quem o comete não tem noção das regras e escreve o que lhe dá na telha. Nem vou dar exemplo, pra não ferir suscetibilidades, mas eu vejo muito disso por aí. Pessoas que não conhecem as normas cultas e querem, mesmo assim, revolucioná-las. Nas artes plásticas isso acontece demais: o cara não sabe desenhar, pintar, esculpir, e se acha um revolucionário porque tira xerox do próprio traseiro e pendura na parede. Na verdade isso não quer dizer nada. Os grandes pintores revolucionários (um Picasso, um Dalí, um Miró, p. exemplo) estudaram muito até chegar ao nível de desconstrução do que aprenderam.

Então, Brenda, pra encurtar esse discurso chato, ainda que vc não goste das normas cultas da língua (mas acho que vc não gosta mesmo é de aula de gramática - no que concordo com vc: é ruim de aula de gramática ser interessante pra quem já não nasceu com ela no sangue), aprenda-as. Elas são ferramentas que vão fazer, no mínimo, com que vc crie sua própria língua com conhecimento de causa. E olha que, às vezes, te dão um prazer enorme. Eu, por exemplo, adoro falar de silepse... Mas isso fica pra outra conversa.

Pode aparecer mais vezes. Estarei aqui até o fim do vestibular.

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PS: O livro, claro que autografo. Só não sei como. Se vc quiser, envie pelo correio para o endereço da editora, eu o pego lá e devolvo pelo correio tb. Dá-se um jeito... E que bom que vc gostou. Eu achei que os vestibulandos iam me achar um doido, pelo meu estilo, mas a reação tem sido o contrário. Vá a gente entender vcs... hehe E que conto vc foi escolher pra gostar, hein? É um dos meus favoritos.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Cão




O cão largou-se ao pé da escada, último remanescente de outrora vigorosa matilha. Era o fim da espécie ou, no mínimo, da estirpe. Trazia o pênis ferido, preso ao corpo apenas por uma suja nesga renitente de carne, que hesitava em abandonar o dono, e a boca seca. Tão seca que a língua — lixa-que-lixa — já abrira um buraco do palato. Era tudo quanto lhe restava de corpo, tudo que possuía ainda de cão em si, que ele tentava descansar, diante da impossibilidade de recuperar-se.

Uma barata passou rastejando sobre suas patas dianteiras. De imediato, ele sentiu-se ultrajado ao contato que confirmava seu asco por todo gênero de insetos, mas não conseguiu exteriorizar mais do que um olhar de nojo, incapaz de qualquer outra reação.

Havia no céu uma lua estranha, gélida, pendurada em um vazio avassalador, proprietária de olhos que cingiam o mundo. Tudo restante era apenas escuridão e silêncio. Existiria — sim, existiria — vida em outra parte do universo, e ele não se encontrava muito distante de lá. A lua balançava-se, presa a algum pêndulo invisível, no firmamento, enquanto ele, reles, mero cão, impotente, ruminava restos de pretérito, grotescamente arraigado na paisagem.

Já não tinha muito o que esperar. Em breve, estaria extinto e, com ele, todas as coisas visíveis e invisíveis que povoavam o planeta também desapareceriam. Já não possuía forças nem sequer para lembrar-se de como conseguira chegar até aqui. Talvez tudo resultasse de sua relutância em ser o último, o derradeiro dos cães. Por esse motivo decidira não se entregar: havia resumido seus pertences, abandonado os ossos dos seus ancestrais e ficado à deriva durante longo tempo, para sobreviver à história, para não deixar morrer consigo a memória da sua espécie. Mas falhara desde o princípio.

A lua apossou-se de outra fração do céu. Ele percebeu, vaga e ofuscadamente por entre as lágrimas algo de nuvem boiando no espaço. Um mosquito zombou-lhe da paciência com uma insuportável melodia supersônica. As pulgas e os carrapatos aproveitaram-se de sua debilidade e o atacaram conjuntamente em todos os flancos, como um exército devastador. Logo agora, que estava tão próximo do seu objetivo! Tinha certeza de que haveria outros iguais a ele, já quase podia pressenti-los no quarteirão seguinte, mas estava tão fraco que não conseguia nem abanar o rabo e espantar as moscas.

Amanhecia. A lua empalideceu rapidamente. O mundo deixou de ser tão assombroso e avassalador. Semimorto, o cão ainda ouviu o barulho dos carros e os murmúrios da gente que ia-vinha, rasgando a pele fina da manhã. Aí que não suportou mais a dor, a solidão, a impotência, e deixou-se ficar, definitivamente.


Uma cadela, vibrando de cio, aproxima-se da escada. Ainda não desbravou a esquina e já fareja o cheiro do macho, tão ansiado. Aperta o passo e depara-se com ele. Feliz, lânguida, lambe-lhe o focinho, livra-o das moscas, acaricia-lhe o rosto, pensa-lhe as feridas, roça seu corpo no dele, procurando despertar-lhe a paixão, e, de súbito, percebe que não obterá resposta. Fim da sua última esperança. Agora, com quem dividirá o futuro que se avizinha? Preocupada com isso, descobre o pequeno pênis dilacerado e acha que tem a solução: termina de extraí-lo do corpo inerte e o introduz em si. Há de levá-lo consigo — um pedaço dele preenchendo seu espaço — até que se refaça a espécie.

domingo, 20 de julho de 2008

Para Aline B., escondida aí em "Rua da cidade"

Sra. B., qd a gente escreve, pensa em um monte de coisas, quase simultaneamente. Não se tem (pelo menos, eu não tive) um objetivo específico em mente, do tipo "o que eu quero passar de mais importante é...". Na verdade, o lado mais relevante da relação livro-leitor é o leitor. Afinal de contas, é ele quem vai processar o que ler. Por isso, quanto mais vc lê, mais habilidade adquire para interpretar, de acordo com a sua vontade e conhecimento, não apenas o livro, como também o "universo ao seu redor", só pra citar Marisa Monte. Faça a experiência: leia um mesmo texto várias vezes. Vai perceber que, a cada vez, vc o verá de maneira nova. Qd me fazem perguntas como essa que vc fez – e fazer perguntas é a melhor forma de tentar entender as coisas – eu costumo citar uma cena de O carteiro e o poeta (vc viu? Se não, aproveite e limpe essa mancha de sua biografia, rs), em que o carteiro pergunta ao poeta o que significavam os versos tais e tais que ele (o poeta) escreveu. O poeta responde: "Mário, sinto muito, mas só sei dizer daquele jeito".

Qt às características que vc aponta em meu livro (imprevisibilidade, presença da morte, uma espécie de pessimismo), acho que vc tem elementos no texto suficientes para justificá-las. Eu tenho repetido aí nuns comentários passados e nas palestras que faço que há, sim, certo niilismo presente em quase todos os contos, mas eu prefiro pensá-lo não como pessimismo, mas como niilismo ativo, à Nietzsche – uma maneira de reconhecer a decadência dos valores tradicionais ocidentais (moral, religião, casamento, família, relações afetivas, instituições...) e, com isso, abrir caminho para a destruição desses valores e para a construção de um novo homem. Penso que, qd, os leitores do meu livro se vêem contestando ou corroborando o que digo quanto à instituição casamento nos contos "Três histórias" e "Casamento", por exemplo, esse papel de fazer pensar sobre o que está petrificado em nosso imaginário como algo imutável está sendo cumprido. O que vai fazer com o que pensou diz respeito a cada um, mas é inegável que é bem melhor ter duas idéias do que apenas uma.

Boa sorte, Aline.
MM

PS: Ah, e não tome nada do que digo como verdade absoluta. Deixa esse negócio de verdade absoluta pro coitado do Papa. Depois que um livro é publicado, o autor é apenas mais um leitor. Assim, minha opinião tem tanto valor quanto a sua e a dos seus professores e colegas, desde que adequadamente justificadas.

PS2: Se me chamar de Sr. Marvilla de novo, eu nem olho pra trás. rs

sábado, 19 de julho de 2008

terça-feira, 15 de julho de 2008

Pelo fim da impunidade


Os colegas estão de férias e o cara, fazendo a festa dos amigos: "Eu sou Deus"! Quando é que vão nos mandar comer brioches? Fora, Gilmar Mendes!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Rua da cidade

O professor do 201 olhou o televisor, calçou os chinelos e guardou na estante o volume III de O capital, que escorregara de suas mãos enquanto cochilava. Mais-valia, capital constante e variável, trabalho, modos de produção, taxas e sobretaxas, misturaram-se, irreconhecíveis, ao sabor de menta da pasta de dentes. Casablanca na Sessão Coruja.

No 202, a atriz de teatro amador, entre gemidos stanislavskianos, atingia seu terceiro orgasmo consecutivo com a diretora da sua última peça. Maria Bethânia, cantando “Mel” cheia de ruídos na velha Sonata, em surdina. Luz negra.

No apartamento 203, a estudante de Psicologia tentava concentrar-se nas teorias de Skinner para a prova do dia seguinte, mas era constantemente interrompida pelos gemidos da atriz. Assim, desistiu e deu corda ao despertador, ordenando-lhe que a acordasse às 6:30, tempo suficiente apenas para um banho e café rápidos. Se o trânsito estivesse bom, chegaria, então, com apenas 15 minutos de atraso à primeira aula.

No 204, um adolescente acordou suado, apanhou a revista Playboy no armário embutido e se masturbou olhando as fotos das mulheres nuas, todas suas.

O casal de namorados, distraído em suas carícias no banco de trás do velho fusca, não percebeu que começou a chover a chuva fina de sempre, quando é setembro. Tinham tempo ainda, agora é outro sábado. Mas que desculpa daria ele à esposa desta vez?

No bar defronte à praça, o sonolento garçom abriu a nona garrafa de cerveja para o bêbado da mesa 5. Depois, como de hábito, ele pagaria a conta com um cheque de assinatura tremida e, sem se importar com os jacarés, dormiria na cadeira, segurando a garrafa até que o bar fechasse.

O guarda-noturno, com seu apito trilongo, passou, avisando que ainda estava vivo, fazendo a ronda.

Cansado de si, o bêbado da mesa 5 tira da bolsa um revólver e se suicida, às 2:51, interrompendo mais um orgasmo da atriz de teatro amador e os sonhos neobehavioristas da estudante de Psicologia. O casal de namorados, absorto em seu amor, não vê o sangue descer as escadas, passar por debaixo do carro e escorrer para um bueiro próximo. O professor, alheio à rua, desliga o televisor. O adolescente ejacula, precoce, nas páginas da revista, sem poder conter sua emoção. O guarda-noturno já vai longe e seu apito, indiferentes a dramas pessoais.

O dono do bar ainda tem de limpar o sangue de sobre a mesa, pensando no prejuízo das nove cervejas que o suicida não pagará desta vez.



[Sorry, mas alguns links só em inglês. Mesmo assim, podem ser úteis aos mais curiosos.]

terça-feira, 8 de julho de 2008

Maria, Clara, Lia, Susana...

E eis que, de repente, a eternidade sibila ao nosso redor e nos convida a entrar. Só aí nos convencemos, tintos de terror, de que ainda não somos eternos.

Vejo-me a passear os olhos pelo que me cerca. Pelos cantos da casa encarquilham-se velhas bolhas de sabão, à espera de que vistamos novamente nossas impossíveis peles de crianças — nós, infantes antigos.

Avisto o futuro de onde estou. Tudo tão longe! Esta miopia que me restringe, como atinge meu interior! Meus óculos, sustentados apenas por sua vontade de enxergar, espraiados sobre este rosto rústico e perplexo que dizem me pertencer, aludem a possibilidades remotas, aproximam o mundo e me distanciam, ao mesmo tempo, de mim. E eu aqui, desarmado, nem posso mover-me, enquanto elas estão caindo, prisioneiro intacto de minhas próprias lembranças.


Maria. O corpo colado à vidraça. Chovia ferozmente. Sentia-se presa. De súbito, acusava-me: eu era a chuva e o medo dos trovões, a lâmina e o corte, o abutre.

Tão repentina quanto sempre, ela se decidiu à liberdade: abriu a janela e era bela, muito bela e brilhante, à luz dos relâmpagos, ao exercer seu direito de vôo. Após dar três voltas no vazio, sustentou-se por alguns instantes em alguma barreira de ar e, finalmente, despencou para o abismo. Então, ainda de súbito, lá estava ela, serena e límpida (mas o corpo no jardim, descansando entre as begônias), flutuando no ar, entre pássaros e pensamentos undíferos.

Inesperadamente, em seguida, a porta se abriu. Assustei-me: o sangue que me a/tingia a camisa não me pertencia, mas Clara (Clara mentia sua presença) nem reparou nele. Aproximou-se de meu posto de observação e sorriu, não-me-vendo. Ela era volátil, mas líquida e certa. Permanecia sempre inerente ao espaço que ocupava anteriormente e, assim, conseguia estar em todos os lugares simultaneamente.

Procurava algo. (Não creio que encontrasse nada além de uma ou outra recordação esquecida pelo chão da sala. Aqui, tudo é tão sutil que se torna difícil até saber onde estamos pisando. Opto sempre por me mover o menos possível de onde estou: há o risco demasiado freqüente de esbarrar em algum motivo adormecido ou em algum real sem fantasia que, por acaso, eu possua.) Ela conhecia muito bem isso aqui e estava revirando o local talvez pelo mero prazer de me fazer apreensivo.

Chamei-a e disse-lhe que parasse — eu não suportaria dar de cara com qualquer coisa que estivesse tentando esconder.

A princípio ela não me ouviu (ou fingiu que não) e tive de ser ríspido. Imediatamente, pedi-lhe desculpas, atingi-a mais do que pretendia. Ela se tornou inóspita. Depois, aproximou-se de mim como se fosse pronunciar uma sentença muito importante — algo relacionado com arte dramática ou com borboletas, não importa, todas as suas palavras adquiriam caráter de coisa fundamental —, pois ela aproximou-se de mim e notou, no sangue em minha roupa, sua incapacidade de reconhecê-lo.

Perguntou de quem era. Não respondi. (Eu sei que devemos nos lavar após cada crime cometido, senão para desviarmos de nós as suspeitas, ao menos por higiene, para que estejamos limpos em momentos futuros de amor. Mas não tiver oportunidade de fazê-lo. Clara já havia planejado não me dar mais tempo.) Não responderia por meus atos.

Havia algumas pessoas sentadas sobre botijões na calçada lá embaixo, augurando o caminhão do gás. Cá dentro, algo de grandioso estava por acontecer. Clara insistia em sua curiosidade. Antes que ela, só para me torturar, repetisse mais uma vez sua pergunta e que eu, pela terceira vez, lhe negasse a resposta, indiquei-lhe a janela aberta, única solução que me restava. Ela acercou-se da sacada, sem afastar de mim seu olhar inquisidor. Lá embaixo, começou a chover forte e as pessoas que esperavam o gás já tinham ido embora. O corpo de Maria ainda permanecia nítido entre as begônias. Clara fixou a atenção nele, espantada, e eu a empurrei, sem raiva, mas ela não caiu de todo: a cada espaço que ocupava/desocupava, ia deixando pistas de si.

Quando estatelou-se contra o solo, atônita, olhou-me (eu não seria capaz disso) e ainda encontrou forças para abraçar-se a Maria. Melhor assim. As pessoas pensariam que foi um duplo suicídio por amor, embora pudessem irritar-se por amassarem as flores.

Ah, eu nunca deveria ter confiado nelas, especialmente porque era abril, continuava fazendo calor e elas se fechavam todas, mas não pude resistir. Eram muitas e, se não tivessem querido cobrar as partes de mim que lhes pertenciam, poderiam ter sido mais. Elas se muitificam feito epidemia e me surpreendem a cada esquina, como um adultério que resolvesse saltar de dentro do armário embutido...

Devo estar louco... ouço-as, que se aproximam. Impossível, todas juntas não caberão aqui. É contra a lei de impenetrabilidade da matéria, dois corpos no mesmo espaço.

Eu deveria ter trancado todas as portas que Clara deixou em aberto. Agora é tarde, elas há estão entrando. Posso vê-las, deste meu esconderijo, rubras, rugindo suas revoltas, portando suas armas. Como negar que são belas, umas mais que as outras?

Ainda não sabem da minha presença, mas uma delas, debruçada sobre o parapeito da janela, observa, intrigada, os dois corpos adubando o jardim, sem saber o que pensar. Se ela se virar um pouco mais para a esquerda, serei descoberto. Ela me vê e compreende o que aconteceu. Só há uma saída, antes que grite: empurro-a para baixo rapidamente e me oculto de novo, incólume. Contudo, o barulho do ar se deslocando atrai as outras. São, realmente, muitas e belas. Sabem, agora sim, que estou aqui. É questão de acaso atinarem comigo.

No entanto, antes de começarem a vasculhar o ambiente à minha procura, uma delas — não defino bem se Lia ou Susana — percebe nas demais detalhes de mim que lhes ficaram, indeléveis. Perco o medo. Acho que, por me haverem dividido entre si, elas se irmanarão. Puro engano: surgida de onde a invisibilidade, portada por horror à comunhão, uma faca súbita exerce seu poder de facção.

As descobertas de meus pedaços em seus corpos se multiplicam e elas se matam, cada vez mais ferozes e mais próximas de mim. Respingam-me de sangue. Gritam, mas não se ouvem.

Não. Eu não tentarei nada. E talvez nem seja necessário, não há facas suficientes para tantas que me possuíram.

Agora, há um intervalo em que elas se acalmam um pouco. Posso respirar também. Algumas — e, a cada minuto, são mais que chegam, de maneira que já não cabem todas aqui — começam a atirar os corpos das derrotadas pela janela, a fim de ampliarem o campo da batalha. Depois, e me surpreendo com isso, imaginam que a queda é o caminho para o infinito e se atiram também, tão perto de mim que posso ver suas expressões de júbilo. Elas parecem não acabar mais. No jardim, vão se amontoando fraternalmente no mesmo sangue, na mesma massa. E continuam a saltar, a saltar, a saltar...


Ainda faltam dez minutos para começar a eternidade. Não posso nem sequer me mover daqui, pois então serei carregado pela enxurrada de corpos que despencam, mas tenho que fechar a janela: os vizinhos começam a reclamar do barulho dos cadáveres caindo no jardim.

Um resumo

David, dá pra vc fazer um resumo daquelas perguntas que fez antes de o Fluminense virar motivo de chacota, para eu tentar colocar nossa conversa em dia?

PS: Tô de volta, moçada.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Chega!

Incompetentes no governo, incompetentes no trânsito, incompetentes nas escolas, isso a gente tem de agüentar. Agora, incompetentes no futebol também?!? Ah, não dá. Os caras ganham horrores pra perder pênalti?!?

Declaro encerrada minha carreira de torcedor do Fluminense: vou torcer pro Flamengo, que, pelo menos, tem o (divertidíssimo) Obina.

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Vamos voltar a falar de literatura, que é mais interessante e menos estressante: a partir de segunda, novas postagens.

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PS2: Vade retro, Renato Gaúcho, Ygor e Washington!

quarta-feira, 2 de julho de 2008