domingo, 20 de julho de 2008

Para Aline B., escondida aí em "Rua da cidade"

Sra. B., qd a gente escreve, pensa em um monte de coisas, quase simultaneamente. Não se tem (pelo menos, eu não tive) um objetivo específico em mente, do tipo "o que eu quero passar de mais importante é...". Na verdade, o lado mais relevante da relação livro-leitor é o leitor. Afinal de contas, é ele quem vai processar o que ler. Por isso, quanto mais vc lê, mais habilidade adquire para interpretar, de acordo com a sua vontade e conhecimento, não apenas o livro, como também o "universo ao seu redor", só pra citar Marisa Monte. Faça a experiência: leia um mesmo texto várias vezes. Vai perceber que, a cada vez, vc o verá de maneira nova. Qd me fazem perguntas como essa que vc fez – e fazer perguntas é a melhor forma de tentar entender as coisas – eu costumo citar uma cena de O carteiro e o poeta (vc viu? Se não, aproveite e limpe essa mancha de sua biografia, rs), em que o carteiro pergunta ao poeta o que significavam os versos tais e tais que ele (o poeta) escreveu. O poeta responde: "Mário, sinto muito, mas só sei dizer daquele jeito".

Qt às características que vc aponta em meu livro (imprevisibilidade, presença da morte, uma espécie de pessimismo), acho que vc tem elementos no texto suficientes para justificá-las. Eu tenho repetido aí nuns comentários passados e nas palestras que faço que há, sim, certo niilismo presente em quase todos os contos, mas eu prefiro pensá-lo não como pessimismo, mas como niilismo ativo, à Nietzsche – uma maneira de reconhecer a decadência dos valores tradicionais ocidentais (moral, religião, casamento, família, relações afetivas, instituições...) e, com isso, abrir caminho para a destruição desses valores e para a construção de um novo homem. Penso que, qd, os leitores do meu livro se vêem contestando ou corroborando o que digo quanto à instituição casamento nos contos "Três histórias" e "Casamento", por exemplo, esse papel de fazer pensar sobre o que está petrificado em nosso imaginário como algo imutável está sendo cumprido. O que vai fazer com o que pensou diz respeito a cada um, mas é inegável que é bem melhor ter duas idéias do que apenas uma.

Boa sorte, Aline.
MM

PS: Ah, e não tome nada do que digo como verdade absoluta. Deixa esse negócio de verdade absoluta pro coitado do Papa. Depois que um livro é publicado, o autor é apenas mais um leitor. Assim, minha opinião tem tanto valor quanto a sua e a dos seus professores e colegas, desde que adequadamente justificadas.

PS2: Se me chamar de Sr. Marvilla de novo, eu nem olho pra trás. rs

2 comentários:

Anônimo disse...

"Seu" Marvilla? rs
Agradeço muito sua explicação, realmente me esclareceu várias coisas. Eu concordo que depois de publicada a obra já não tem muita explicação, mas sabe como é vestibular, não é? Já estou terminando de ler o seu livro, minha turma vai discuti-lo nas aulas de literatura e eu vou poder tirar onda: "Ah, eu conversei com o Marvilla, ele me explicou tudinho!" rs Legal..
um abraço

Miguel Marvilla disse...

Expliquei tudinho, Sra. B.?!? E eu que jurava haver embananado tudo... rs

PS: Apareça mais vezes. BTW: Vc vai fazer vestibular pra quê?