sexta-feira, 11 de abril de 2008

Narciso indeciso


Para Oscar Gama


É que Narciso acha feio que não é espelho.

— Caetano Veloso


Era — já — a hora da lua: em breves semitons de azul e verde, ela surgiu, pingo de-prata, com o hálito antropófago da noite.

Ancorado no acaso da calçada, ele ficou procurando palavras para justificar sua permanência e tanto fantasiou que virou estrela.

Como tal, sentiu-se na obrigação de brilhar. E brilhou, brilhou, brilhou de tal forma que, por excesso de resplandecência, fez desaparecer os oceanos, a lua, os plantadores de rosas, as outras estrelas. Mas ficou querendo voltar a ser homem para receber homenagens, pois seria o único homem-estrela do mundo, de maneira que vestiu sua melhor roupa e desceu do céu.

No entanto, seu fulgor ofuscava as pessoas e elas ou fugiam dele, assustadas, ou o atacavam com o que encontrassem à mão: paus, pedras, edifícios. Decepcionado, ele tornou para o firmamento e jurou vingança: iria brilhar ainda mais. Afogaria todos em sua luz.

Foi quando a manhã floriu outro futuro e o sol confiscou-lhe a imaginação.

É — já — a hora da Lua. Ainda perdido no acaso da calçada, ele se ama, indeciso entre um tango argentino e um trago de aguardente, enquanto a noite pousa, desdentada, no quintal da sua cabeça.

4 comentários:

P.Carolina disse...

Miguel, lendo o seu livro gostaria de saber se foi erro da editora ou é assim mesmo. No capítulo "O domínio" na pagina 41 o conto termina em ... "que" sem ponto e sem nada,
é assim mesmo?

E na página 44 existe uma palávra que esta dessa forma(tr ns ar nt , t n a n , t , ,)

Por.: Maria Carolina

Miguel Marvilla disse...

Carolina, tem um post de novembro ("A resposta grandona para Naiara") em que falo dessa questão do "que". Qto à palavra cujas letras vão sumindo, é a palavra "transparente", que vai desaparecendo, ficando tranaparente ela própria. Trata-se de um dos recursos da poesia concreta que utilizo bastante nos meus contos. Existem outros, vc vai ver. Tipo: a palavra "estilhaços" estilhaçada na página; as margens do páragrafo, que se abrem para representar a inundação; o chão que se desloca sob a lagarta listrada; a palavra "carcomidas", que aparece carcomida num poema, etc. Essas coisas são resquícios do concretismo que, quando percebidas assim, tornam o texto mais interessante. Sou fundamentalmente poeta e não hesito em utilizar recursos poéticos (não apenas do concretismo) nos meus textos em prosa.

a k e m i disse...

tenho saudades migueeeel!
[nem vou chamar de tio oh!]

heuheuehuehue..
e desculpa se já não venho com frequência..
mas... não te esqueci..
muito menos de nosso almoço!

e agora... eu ando acompanhando o livro!!! hahahaha
amei!
=o*

Miguel Marvilla disse...

Ô, desse almoço aí eu até já desisti. A Íris veio, foi e vc nem tchuns... Mas podia mesmo dar notícias de vez em quando, né?

Acompanhando o livro? Bem feito... hehe

Bjs, Akemi... Não suma. Sua média de aparecimentos tem sido de uma a cada 400 dias...