terça-feira, 13 de maio de 2008

A queda


Uma pequena fruta vermelha e doce despenca de sua árvore-mãe, criança abandonando contra a vontade seu vício de útero. Na viagem que faz pelo abismo, pode-se negar o próprio momento. Há um lapso no universo, após o qual nada mais acontecerá da mesma maneira.

Um fiapo de luz, costurando os limites da tarde, impede que o mundo, por mais que se esforce, conclua a noite. Duas flores são primavera — pássaros, ainda, e folhas novas. Alguns objetos são idéias — vagas semelhanças com suas formas reais —, supridos de satisfação por sua singularidade. Algumas idéias — aproveitadas outras, anteriores — são insetos e podem ser vistas claramente por entre os plátanos e as begônias. Deus e suas invenções.

A pequena fruta, a meio-caminho do seu destino.

As cores pastosas do pôr do dia hesitam em desgarrar-se da paisagem. O cheiro e os sons da estação, misturados às abelhas e borboletas recentes num balé bucólico, permitem entrever a harmonia, antes da rigidez que logo se aproxima.

O sol já está completamente do outro lado do planeta mas, com o que lhe resta de veemência, permanece apegado, ensangüentado, a tudo que, por esse motivo, ainda tem alguma forma. É um anoitecer tão denso que, sobre ele, uma lua mal começada rasteja a duras penas, qual lesma que deixasse atrás de si restos pegajosos de nuvens.

A pequena fruta ainda não terminou sua trajetória, quando um pedaço da tarde não resiste mais e rasga-se, deixando-se tingir de escuro. Todas as coisas cedem, assim, uma parte de si. Em algum lugar, uma ave qualquer trina uma melodia triste, meio tom acima das quasicores.

O choque, finalmente.


O chão desloca-se vagarosamente

sob uma lagarta listrada.


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