1. A noiva passa, de carro, como para um enterro.
2. Alguns moleques atêm-se a atear fogo a velhas caixas de papelão. Um cão sem dono acompanha atentamente o movimento das crianças.
3. A lua
1. É uma noiva feia, de seus vinte e tantos anos, e gestos enfadonhos. O motorista — talvez o pai da moça —, circunspecto, não repara que ela prefere ser enterrada a se casar. Mas isso não importa agora, os convivas já estão na igreja e o padre.
2. O cão, timidamente, late um pouco de amizade. Um dos moleques traz mais papel e restos de uma tábua para alimentar o fogo. Logo, logo, estarão aquecidos nesta seminoite que congela até mesmo os olhares.
3. se
1. O carro pára no sinal vermelho. O pai — se é o pai — não quer se arriscar a ultrapassá-lo, com medo de que algo aconteça à filha — se é a filha — no dia do casamento. Seguirá todas as normas de trânsito, tomará todas as precauções, para que ela chegue impune ao altar.
2. Mais dois moleques se aproximam, tiritando de frio, da fogueira. O cão sem dono abana o rabo e lambe afetuosamente o braço de um deles, que o enxota, rude. O vento ruge.
3. construindo,
1. A noiva só deseja saltar do carro e sair correndo (para onde?), mas ele recomeça sua marcha, irrevogável.
2. São mais que várias em idade, sexo e solidão, as crianças em redor da fogueira e o cão, sedentos de carinho. O calor do fogo supre, fogazmente, a falta de abraços. Olham-se de vez em quando e tornam ao seu mutismo, unidas apenas pela luz da madeira e dos papéis que se queimam.
3. pausada,
1. A noiva reza por um defeito mecânico qualquer que retarde seu sacrifício. Pai e filha — já são pai e filha — estão ligados unicamente pelo rugido do motor e do tráfego. Nunca mais, nunca mais será antes, para tomar a decisão acertada.
2. Um dos moleques, aquecido, desata uma cantiga de infância. Outros dois tamborilam os dedos magros e sujos sobre latas vazias de leite Ninho, enquanto os restantes marcam o campasso da música com palmas. O cão se enrosca, gratificado pela melodia e pelo calor, em seu próprio corpo.
3. simples,
1. O automóvel contorna a praça e estaciona em frente à igreja. Uma multidão se aglomera em volta dele, comentando o vestido e a beleza da noiva. Ninguém atenta para a lágrima dela, que abre caminho na maquilagem.
2. Um pedaço de pão passa, multiplicando-se, de mão em mão, entre os meninos, irmanando-os, calando momentaneamente suas diversas fomes. Um deles acaricia o cão e o enrola em jornais de notícias remotas. O cão, satisfeito, sussurra um agradecimento.
3. lentamente,
1. A noiva — Mendelssohn ao fundo —, empunhada pelo pai circunspecto, adentra a igreja e é entregue ao seu algoz. Nada lhe resta a fazer senão calar-se e acomodar-se ao destino que lhe reservaram. Os convidados sorriem em leque, felizes.
2. As crianças, com um pouco de querosene, ateiam fogo ao cão, que sai correndo, ganindo, ilustrando a noite com seu desespero. Os moleques riem, felizes.
3. Lua.
Então... agora é com vc. Escreva aí nos comentários as suas dúvidas e opiniões. Exponha as SUAS idéias. Não tenha medo, palavra não morde (tá bom, a palavra "morder" morde). Só não vale tentar sacanear pra zonear o blog, porque eu sou o mediador e só vou publicar o que contribuir para melhorar a interpretação do livro.
Pra começo de conversa, saiba que interpretar significa reduzir a uma paráfrase denotativa todas as possíveis conotações de um texto. Interpretar, portanto, é mutilar. Quanto mais mutilações um texto permitir, melhor ele é. Digo isso para que vc NÃO fique pensando que o meu modo de ver o que escrevi é A verdade, única e monolítica. Não é. Minha verdade é tão-somente UMA das verdades possíveis.
De quinze em quinze dias, a partir de 20 de março de 2007, publicarei aqui um conto de Os mortos estão no living, juntamente com um post baseado nos comentários e dúvidas dos possíveis freqüentadores do blog. Espero que, ao final do ano, tenhamos discutido o livro todo e que essa discussão sirva não apenas para vc fazer uma boa prova de Literatura do VestUfes, como, principalmente, para desenvolver seu gosto pela leitura, pela escrita e pelo debate.
Talvez vc se depare aqui com algumas palavras estranhas ao seu universo cotidiano. É de propósito. Não vou aliviar, não. É pra vc ir ao dicionário, aumentar seu vocabulário, discutir coisas além de clip da MTV e Big Brother, e ampliar seu leque de recursos expressivos (já reparou que as idéias se expressam por palavras? Pois é, parece que, quanto mais palavras, mais idéias, né?...)
Em resumo: a intenção aqui é aproveitar o fato de vc ser obrigado (ou obrigada) a ler para o vestibular e colocar em discussão algumas das idéias que circulam por Os mortos estão no living, de modo que vc possa (e eu também) ter mais coisas em que pensar. Vai encarar?
29 comentários:
Bom, eu gostei de idéia, apesar de já ter lido o livro \\o/
É uma nova maneira de ler alguma coisa num ano tão horrível quanto o do vestibular.
(;
hahahah... amei o blog eterno tio miguel... =]
mas ainda assim quero meu livro autografado!! e também quero poder debater algumas coisas ao vivo com vc... bem como o título desse livro que muito me intriga... assim que Iris vier pra Vix marcaremos um almoço ok!?
espero te ver em breve!
=o*
Ora, ora, minha filha e a Akemi, inaugurando este blog perdido no mato? Akemi, assim que vc quiser, podemos conversar, sim, com ou sem almoço (que tal uns camarões, no Guaramare? hehe). Não espere pela Íris, pq só Zeus sabe quando ela vem. Agora, falar do título já é uma boa maneira de começar uma discussão. Um título é (mas não deveria ser) uma chave de interpretação. Só que acaba guiando os leitores, quando deveria deixá-los livres pra seguir por onde desejarem. Os melhores títulos são os que enganam os leitores, diz Umberto Eco. Tipo assim: Os três mosqueteiros (que narra a história do quarto, D'Artagnan) e Amadeus (o filme não é a história de Mozart, mas de Salieri, coitado). Daqui a uns dias falaremos com mais profundidade sobre essas coisas. Boa sugestão. Espero te ver logo tb. Bjs.
PS: "Tio" Miguel é... deixa pra lá... hehe
' Agora é a sua vez! Muahhh!'( Termine a frase deste ato com uma Risada maléfica em voz alta ) ...
Dádiva ou maldição?
Certamente algo que vai ajudar muitas pessoas a conhecerem mais sobre a sua obra...
Estaremos sempre aqui, aliás. :)
Beijos. :*
Ow, mt da hora esse blog ... adorei .. \o/
Mt show mesmo .. duvidas no more!!
XD
Muito legal essa iniciativa do blog. É fundamental incentivar a leitura entre os jovens.
Na minha época de vestibular não tinha isso, espero que os estudantes aproveitem.
Prezado Miguel, bom saber que pessoas como você andam procurando palavras suficientes para expressar o mundo das idéias. A luta é árdua. Mas é deliciosa.
Grande abraço, John Lester
Adorei a idéia do blog. Estarei indicado para todos meus alunos e aqueles que gostam de uma boa leitura.
Se precisar,sabe aonde me achar.
bjos
Aline(Bruxinha)
Este texto é muito bom. Como já lhe disse, gostei da estrutura.
Abraço
Olá, Miguel. Não te conheço pessoalmente, mas conheço de fama - fui aluno da Maria Amélia e, por tabela, acho que serei aluno do Bith em breve - e literariamente - já li o livro e achei fantástico.
Interessantíssima essa iniciativa. Vou acabar trelendo o livro aqui com muito prazer.
Se tiver tempo, dê uma olhada nos poemas deste iniciante e deixe uma crítica - porque é delas que preciso, ainda mais de alguém com seu talento.
Até.
Só um
P.S.: Só podia ser tricolor!
Nossa eu adorei seu blog...
está muito interessante e é muito importante para mim, já que estou em ano de vestibular...ixi rsrs
sempre que puder estarei aqui lendo os contos e discutindo sobre eles...
Parabéns, adorei a sua idéia.
conheço o lucas e ele que me passou o end do blog!
fazendo propaganda aqui rsrs
pode conferir no blog dele, ele escrevi muito bem!
Abração
você tem muito talento!
Miguel
Aí vai o inevitável: gosto muito de seu livro pelo que carrega de identidade com o nosso tempo e pela forma como expressa seu nihilismo (embora muitas correntes detestem essa idéia, creio que há muito de quem escreve no que escreve). "Os mortos estão no living" é um livro gigantesco. Porque há muito, muito mais no que não está escrito.
A presença dele na WEB é uma chance para que os vestibulandos (ou não) que o lerem tenham acesso a uma realidade além da pasmaceira à nossa disposição.
E, claro, recomendo a leitura a todos.
Forte abraço,
Pedro Nunes
Miguel, adorei seu blog! Vc sempre capricha nos detalhes, né? Bem, tenho duas perguntas sobre esse conto: pq ele parece tão cético? Tipo, vc não acredita na inocência dos garotos (das pessoas), no casamento? E a lua? Tem algum motivo pra se interpôr entre o casamento trágico e os meninos malvados?
Beijos...
Se o poeta e o contista já são,incontestavelmente,muito bons --- muito acima da média --- , o marqueteiro Miguel Marvilla , com essa agora lúcida idéia de blog, é melhor ainda. Assim ,propiciará a que alunos--- e os leitores, em geral--- tenham acesso direto ao autor . Uma raridade ,num mundo iletrado, em que ainda se pensa que escritores vivem ocultos,soturnos, em torres de marfim. (MT)
Olha, só, Marvilla...
Desde aquela bebericagem entre amigos no Sebo do Arthur, no final do ano passado, que um artigo a respeito deste livro se desenha. Porém por falta de certa organização na agenda pessoal fica aqui um comentário sobre o predomínio de uma temática sadomasoquista, na obra. Creio que seja até porque esta se mostre inerente à grande parte dos nossos ritos de socialização, então, especificamente aqui: uma noiva que vai para um casamento infeliz e um cachorro que disputa insistentemente o afeto de um bando do crianças em plena brincadeira. Ambos (noiva e cachorro), carentes, para deleite dos convivas (alguns personagens e leitores), passam por simbólicos "trotes" para que réles existências tenham algum tipo de alegria ou dissimulada tristeza, pela intensa dor alheia.
Apesar disso, mudo agora a minha concepção nihilista, apresentada em supracitado encontro (lembra?)e aqui por outros colegas, pois vejo um redimensionamento crítico (logo, prazeroso) que o conto propõe para aquelas expressões banalizadas pelo catecismo da cartilha do individualismo: "morre o boi para o bem do urubu", "alguém tem que perder para outrem ganhar", "quem pode mais chora menos" etc.
Assim, me parece que o tom dicotômico e simplista desses "pró-verbos", de alcance de todas as camadas sociais, é relativizado pela maneira como as tensões difusas e inconclusas dos próprios personagens estão apresentadas na narrativa em questão... Embora a lua passiva testemunhe tais cenas com olhos de leitores impotentes...
Por enquanto é só, me desculpe o silêncio prolongado!!!
Olá Miguel! Parabenizo pela grande idéia de ter criado este blog que será de grande serventia para todos nós vetibulanos!Tenho certeza que a leitura do livro ficará mais interessante.
Um grande abraço.
Tresser com Marvila
A lua: holofote das dores noturnas,
uma noiva que segue lutuosa à impostura do “sagrado matrimônio” ,
enquanto isso, ambulantes feridas do organismo social queimam “velhas caixas”, se aquecem? Não mesmo... e o que resta no fundo dessas “caixas” ? nadinha né?! Pelo menos servem pra alimentar o fogo [faminto]
uma noite de cão [pro cão]
e a noiva que sonha com um não?
Nossa! Sigo trEsloucada a tRilha, me enveredo, tou cheia de dúvida!
Que bom! ao relento com as palavras [palavras suas]
Amei o blog! Ansiosa pelo “Dies Irae”
bJo!
oi aqui nao é querendo falar nao
mas eu nao acheio resumo d os mortos estao no living!!!
no site tem uma fraze escrita com nome do livro
o resumo ta ali? e o q sao tres historias? faz parte do livro os mortos estao em living
adororaria receber a resposta
Minha cara (meu caro?) patenopy: este blog foi montado exatamente porque eu sou absolutamente contra resuminhos. Vc não vai encontrar resuminhos aqui. Nem eu tenho a menor idéia de onde possa encontrar um. Aqui se defende a idéia de que se deve ler LIVROS, nunca resuminhos.
Olá Miguel,
Estou terminando de ler sua obra e pelo que perceber é um misto de erotismo,humor, sinestesia, musicalidade, alguns clichês e muito lirismo.
Gostaria de saber o verdadeiro signidficado do título da obra, como você o classifica dentro dos gêneros literários e o qual o critério utilizado para separar a obra em duas partes e como preceber a unicidade dos contos.
Caro(a) Anônimo (a): sua pergunta a respeito do título está respondida, creio, no primeiro post deste blog. Qto a classificar o título (o livro?) em algum gênero literário, da minha parte, essa preocupação nunca existiu (e não creio que exista em algum escritor - isso é coisa dos teóricos). Escrevo pq gosto e não pq desejo me inserir neste ou naquele gênero: tanto é assim que misturo aleatoriamente narrativa e poesia. Os critérios para a divisão da obra em três (não em duas, embora essa fosse a divisão da primeira edição) tb (acho) já estão explicitados aí nos primeiros posts, mas vou resumi-los: a primeira parte, "Os mortos", trata, óbvio, dos mortos; a segunda, "Os outros", por antonimia, como diz o Pedro Nunes, só pode tratar dos vivos, dos que, portanto, estão sujeitos à morte. Já a terceira, "Faixa bônus", com um conto (possivelmente) de vampiros, trata dos mortos-vivos. Fechou, né?
Abraço.
esse resumo logo em cima da sua obra ''os mortos estão no living''
só com ele já da pra fazer a prova?
Não.
Miguel...onde eu posso encontrar seu livro??? vou tentar o vestibular na ufes e porque também gostei da historia...
Karine, o livro está sendo vendidona Logos, na Leitura e na Prazer da Prosa. Se vc não encontrar ou se morar em outra cidade que não Vitória, pode pedir por e-mail direto com a editora: florecultura@gmail.com. Eles te dão as instruções para pagamento e enviam o livro pelo correio. Boa sorte.
Olá..
bom, resolvi fazer UFES de ultima hora ...e claro nehh estou correndo contra o tempo.Não terei tempo suficiente para ler todos os livros...oq eu faço??
esse resumo é otimo mas mesmo assim tenho uma impressao de estar faltando alguma coisa...
Acho q é culpa...amo ler e agora estou fazendo algo contra a minha vontade q é me contentar com resumos..
abraço
Mas vc tb, hein, menina? Deixar pra ler os livros na última hora... Deveria ter lido durante o ano. Vc não estudou Química I, II, III... Biologia isso, Biologia aquilo, Geografia Física, Humana, etc? Então? Era só ter dado à Literatura (a culpa por não ter feito isso não é sua, mas, principalmente das escolas, que acham Literatura inútil, quando é a única "disciplina" que permite que vc pense, que aprimore suas idéias, que põe em xeque suas convicções)... era, portanto, só ter dado à coitada da Literatura o mesmo peso e valor das outras matérias. Só posso lamentar por quem não leu, não digo o Marvilla, mas o Machado, o Guimarães, o Oswald, o Veríssimo, o Gil Vicente... quanta coisa interessante vcs deixaram de ver... Mas toca em frente. E torce pra não pedirem no VestUfes que vc analise as obras, que compare textos, que dê sua opinião sobre certo trecho. Pq, se pedirem, esse resuminho aí vai servir de nada.
De toda forma, moça, sempre que puder, não deixe de ler. Os livros registram, difundem e perpetuam os caminhos da humanidade. Mesmo os (muito) ruins, como aquele tal Código da Vinci, pq a humanidade não é boa ou ruim: é boa E ruim.
Boa sorte.
Ah, Marcella, desculpe. Acho que peguei pesado. Vc disse que resolveu tentar Ufes de última hora. Logo, clro, não poderia ter lido durante o ano os livros que a Ufes pede. Olha a minha cara de tacho pedindo desculpas por não haver prestado a devida atenção ao que vc disse. Mas é que, qd alguém me fala q está lendo resuminho, eu fico tão revoltado com os professores que deixam isso acontecer e com os autores desses resuminhos, que fico meio cego. Sem contar q o mais conhecido resuminho, de um conhecido ex-profesor da Ufes é tão ruim, mas tão ruim que aqueles que tiverem o desprazer de lê-lo estão no sal. Se tiver que ler um resuminho mesmo, leia o do Grijó. Esse pelo menos tem talento pra escrever.
Mais uma vez, desculpe. Mas o meu conselho (intrometido: vc não pediu) continua valendo: leia livros. Uma indicação, de fora do vestibular: Gabriel García Márquez: Cem anos de solidão; O amor nos tempos do cólera; Crônica de uma morte anunciada...
Postar um comentário