quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Quatro assassinatos (quase) sem motivos

1. Tinha um leve defeito verde no olho anil. Desanimado pelo ar frio e impassível da manha, espremeu o passo e desapareceu numa viela mal disfarçada no sem-cor da paisagem. Edifícios brotaram subitamente de uma lacuna qualquer em direção ao céu que se descortinava. Não obstante o belo espetáculo de fototropismo, ele continuou julgando o ambiente enfadonho, quando tomou o elevador. Já no apartamento, abriu a janela da sala e, observando os néons em estado de desaparecimento, enforcou-se com os fios do toca-discos.


2. O sol fugiu por uma fresta do horizonte e incendiou os cabelos da mulher parada diante da indecisão de ficar mais um pouco ou ir dormir. O homem passou por ela e deixou no ar possibilidades tardias de sexo. Seguiu-o, a madrugada ainda estava prenhe de intenções. Não falaram nada, nem era preciso. Mas, apenas entraram no quarto minúsculo de um hotelzinho da periferia, ele a matou. Em seguida, violentou-a, limpou a consciência na toalha imunda do banheiro idem, trancou a porta e nunca mais foi visto.


3. A lágrima surgiu, espessa, junto com a claridade matutina. A noite havia sido de ouvir estrelas distantes com olhos de astrônomo e de tentar contato com astronautas extra-humanos, uma fuga. Fracassara de novo, por isso, frustrado, devolveu a imaginação ao seu lugar no bolso do pijama, dando, enfim, pelo cansaço. No banheiro, mijou toda sua ruína interior na pia. Foi quando a mulher logrou libertar-se de seu sono milenar e perguntou-lhe as horas com voz e gestos de múmia. Respondeu qualquer coisa intangível ao raciocínio, enfiou a cara na privada e vomitou. A mulher levantou-se pensando com o estômago, implorou ao espelho que a recompusesse para o dia em gestação e nunca soube explicar por que foi assassinada pelo marido. Então, ele a deixou caída no tapete e voltou para o vômito interrompido.


4. Etc.

4 comentários:

DecomHpc disse...

Primeira historia escrita por vc q leio,mas ja é o suficiente pra me fazer virar seu fã.
Você escreve muito bem, muito mesmo.
Parabéns

Miguel Marvilla disse...

Eita! valeu, Vinicius. Tomara que outras tb valham a pena.

Anônimo disse...

Olá Miguel, se cair uma questao sobre os 4 assassinatos na prova, estarei frita como um ovo mole.
Muito bom os 3.etc...

Miguel Marvilla disse...

Duvido, Maria, q vc esteja frita. Vc sabe: num etc. cabe tudo que a gente não diz nem com letra nem com palavra nem com olhar... Mas, sério: só o fato de vcs estarem pensando a respeito de uma ou outra ideiazinha que estejam à solta neste livro já me deixa encabulado, de satisfeito. Eu sempre quis que, com relação ao meu livro, o vestibular não fosse um fim, mas um meio para que os meitores tivessem contato com alguns pontos de vista diferentes dos habituais. Pelo visto, muitos seguiram esse fio. E eu fico aqui, agora, todo bobo por isso. Volte mais. O blog continua até o fim do ano que vem (tomara que não seja necessário vc voltar por causa do vestibular de 2009, mas pela conversa).