Meio escondida lá em “O domínio”, a Naiara escreveu: “Sou uma "fã" desse livro, já que ao lê-lo, minha imaginação foi despertada de um sono mto profundo...
É dificil, dentre os 31 contos, escolher o meu preferido. Porém, acho que o meu preferido é esse: O Domínio.Todas as vezes que estou dentro de um ônibus e vejo alguém tirando um cochilo, eu me recordo do conto e começo a lembrar de cada pedacinho do conto...e isso é um relaxamento e tanto!
Mas...ao ler esse conto, fiquei com uma dúvida na minha cabecinha... Vc termina (ou nem termina!)o conto com um "que":"ninguém acredita que"
Isso me deixou mto curiosa...e não só a mim, como a mtos amigos que tbm se fascinaram com o seu livro.
Agora me responda Marvila: O que vc qria com isso? Qual foi o seu objetivo com esse "que"?
Parabéns pela obra!”
Então... aí eu respondi um monte de coisas e o Blogger deu pau e perdi tudo. Só agora, depois de enrolar um tempão é que pude voltar aqui, pra cumprir minha promessa de dizer algo a respeito.
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É o seguinte, Naiara: vc nunca se pegou caindo no sono no meio de um pensamento? Pois é: a mulher está ali, ao lado do narrador (o narrador é quem, a duras penas, tem a palavra), e ele, encantado... Até que pára de resistir a ela e se entrega, antes de completar a frase (o sono aí é, talvez, uma metáfora para certas paixões que tomam conta da gente quando a gente está mais distraído). O Drummond, num poema maravilhoso (um dos meus favoritos, aliás), “Caso pluvioso”, fala dessa mesma paixão avassaladora e incontrolável:
A chuva me irritava, até que um dia,
descobri que maria é que chovia.
A chuva era maria, e cada pingo
de maria ensopava o meu domingo.
E por aí vai. Ela aumenta de volume, chove sem parar, obrigando o poeta a criar neologismos para sintetizar o que sente (“chuvadeira Maria, chuvadonha, / chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha”) e engolfando o mundo todo. Até que, ao final, “anti-petendam cânticos”,
Os navios soçobram. Continentes
já submergem com todos os viventes,
e maria chovendo. Eis que a essa altura,
delida e fluida a humana enfibratura,
e a Terra não sofrendo tal chuvência,
comoveu-se a Divina Providência,
e Deus, piedoso e enérgico, bradou:
Não chove mais, maria! — e ela parou.
Acho que escrevi “O domínio” sob a influência dessa idéia de paixão: algo tão avassalador e indomável que sai levando tudo de roldão. Pelo menos essa me parece a paixão que vale a pena. Aquela em que a gente “mergulha de cabeça torcendo para o fundo não chegar”, como diz o Selton Mello para a Débora Fallabela, em Lisbela e o prisioneiro (parabéns pra quem viu). Parece, infelizmente, que já não se fazem paixões assim, tudo tem de ser justificado, pesado, medido, raciocinado... mas o bom é quando nos deixamos levar, não fazemos perguntas, não queremos saber por quê... O bom é quando a gente ou percebe de súbito que “maria é que chovia” ou adormece antes de saber o que estava para pensar.
Um comentário:
Ei Miguel!
Obrigada pela resposta...
E sim, já aconteceu isso comigo.Vc explicando ficou mto mais claro (e óbvio!)
Abraços
Naiara
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