sábado, 1 de março de 2008

Casamento

Para Priscila, sempre


1.

Aceitas para os teus olhares

as impurezas deste homem

e, para o teu corpo,

as cicatrizes que ele traz?


Aceitas para os teus sonhos

a aspereza deste homem

e, para as tuas boas lembranças,

as dores que ele provoca?


Aceitas para os teus dias

os ruídos deste homem

e, para as tuas noites vazias,

os gritos que ele te arranca?


Aceitas para a tua simplicidade

a arrogância deste homem

e, para as tuas delicadezas,

os cheiros do asfalto nele?


Aceitas para a tua beleza

a estranheza deste homem

e, para a tua sensualidade,

a prepotência e a força dele?


Diz que sim e a paz te será negada.

Mas não existe outra maneira de amar

senão em guerra.


Amor não é gelo, nem previsível

— não há uma estação do amor.


Amor é simum,

avalanche,

pesadelo,

amor é ermo.


2.

Aceitas para a tua imponência

a permanência desta mulher

e, para as tuas muitas tristezas,

os cristais dos risos dela?


Aceitas para as tuas ausências

a espera desta mulher

e, para o teu lado de ferro,

as asas que ela te dá?


Aceitas para o teu ódio

as luzes desta mulher

e, para os teus dias de angústia,

os mapas que te oferece?


Aceitas para o teu ranger

de dentes os beijos dela

e, até para o teu cansaço,

as almas desta mulher?


Aceitas pra o teu veneno

as veias desta mulher

e, para os teus tempos de câncer,

o abraço em que te protege?


Aceita, tua sapiência,

as pistas desta mulher?

E aceitas que onde ela esteja

é onde estar é melhor?


Diz que sim e tua guerra será negada.

Existem, sim, outras maneiras de amor

que não em guerra.


Amar não é selo, nem imprevisível.

E toda estação, decerto, é estação de amar.


Amar é brisa,

planície,

pensamento.


Amar é zelo

— e não tem meio-termo.


28.2.2008 - I'll shoot the moon (Tom Waits)

3 comentários:

l. p. disse...

Tudibom esse poema dialogante.

Fiz um assim dia desses - de nome "Noite" e "Dia" -, mas não tem o compromisso que esse seu tem em ser bom e sincero.

Abraço de um tricolor frustrado.

Anônimo disse...

Olá, Marvilla,

Estudo num colégio, onde há uma biblioetca como muitos outros e, obviamente, contém os livros para vestibular da universidade federal do Espírito Santo(ufes). Li nessa ordem: Bom-Crioulo, Quincas Borba, O Pagador de Promessas, Campo Geral, Primeiro Caderno do Aluno de Poesia e o último, e não menos importante, Os mortos estão no living(aina estou lendo parei no conto Quatro assassinatos(quas) sem motivo. Bom, como há os livros na biblioeteca e não exigem o pagamento pela leitura optei para não comprar o seu livro, assim como fiz com todos outros,(considero plausível a atitude). Dos que eu li até agora me interessei mais pelo Bom-crioulo e o Pagador de Promessas, não sei por afinidades literárias, visão comum etc. Pelo que pude ver, aparentemente, no seu livro começando pela capa: Os mortos estão no living, ao um primeiro olhar sem nenhum comentário externo sobre o mesmo, penso que signifique "os mortos estão 'nos vivos'" claro é uma simples comparação da palavra 'live' não se estendendo há uma profunda visão do LIVRO. Na capa, minha primeira observação foi essa espécie de vidro esférica.. e por incrivel que parece me remete a um vidro esférico de vigia, ou seja, aqueles vidros usados pelos vigias para uma vigilância constante do ambiente, observando os movimentos de todos que rodeiam o local, uma faceta que chega ser mórbida no sentido de vigiar permanentemente para, porventura, puní-lo. Outra observação é pela visão ser sempre de cabeça para baixo.. acredito eu, que não seja pelo simples fato de ser um espelho convexo ou concavo(que agora não me lembro qual é o que vira a imagem) e sim por ser uma visão insólita da vida(como a morte), isso porque muitos desavidos a considera como tal. Adentrado o livro, quanto as duas citações de Paul Valéry e José Saramago. No livro campo-geral o crítico do prefácio(que agora não me recordo o nome) disse que as citações postuladas por todo autor possui uma SINALIZAÇÃO importantíssima do livro como um todo.. partindo desse pressuposto já pude interpretar o livro como um todo de forma bem elucidativa: 'o irrefutável roedor, o verme, / não é para vós que dormis inermes, / É para a vida e não me deixa mais / A grosso modo o que entendo é: o evidente, inalienável homem, corroido, não é para quem 'dorme no ponto' obsoleto. É para quem na vida não se deixa levar-se. No " O destino chega sempre". A minha interpretação é: sempre, não importa como, ele chegará, mesmo perpassando por tudo, é pontual, é necessário, o destino. Quanto 'destino' posso interpreter como 'morte', 'direção', 'caminho', 'escolha', etc.

Nos contos, eu ainda não fui circunspecto(parafraseando algumas vezes em que vc usa a palavra) e prefiro ler o livro todo para depois fazer uma humilde observação.

Até mais, Vitor S. Sarmento

Miguel Marvilla disse...

Caro Vitor: primeiro, não se preocupe com essa história de não ter comprado o livro. Autores gostam de ser lidos, não importa de que forma. E vc parece ler muito bem. Seus comentários todos têm bom embasamento: vc sustenta sua opinião em raciocínios no mais das vezes, claros. Isso lisonjeia qualquer escritor, perceber que alguém está lendo o que escreveu estabelecendo relações entre as partes. Nem sempre o autor mesmo percebe essas relações. Por isso o leitor é livre para interpretar, com os instrumentos de que dispõe, aquilo que lê. Parabéns, portanto, pela sua leitura. Se está fazendo assim com todos os livros, certamente está acumulando um capital intelectual invejável, independente da utilidade que essa leitura possa ter ou não para o vestibular.

De resto, a questão do título eu discuti num dos primeiros posts deste blog. Se quiser dar uma olhada. É quase como vc diz.

Parabéns pela sua interpretação. Um abraço.